Bolívia mais à direita: como será relação do país com Lula e Trump após 20 anos de governo de esquerda
18/10/2025
(Foto: Reprodução) Bolívia elege novo presidente neste domingo
Que a Bolívia terá uma guinada à direita com as eleições neste domingo (19), não há dúvidas. Mas isto não quer dizer que os dois candidatos que concorrem neste segundo turno governarão de forma similar. Longe disso.
➡️ A Bolívia irá às urnas no segundo turno das eleições presidenciais, e, pela primeira vez em 20 anos, não haverá um governo da esquerda, que "ruiu" após um racha interno entre Evo Morales e Luis Arce, atual presidente.
A implosão da esquerda empurrou então dois candidatos de oposição para o segundo turno:
👉 O senador Rodrígo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, que quer conquistar os eleitores frustrados com a esquerda por meio de propostas mais moderadas para neutralizar a polarização no país. Filho de um ex-presidente, Jaime Paz Zamora, ele indicou diálogo com Lula. No primeiro turno, Paz surpreendeu nas urnas e terminou em primeiro lugar, e, agora, lidera ligeiramente nas pesquisas de intenção de voto (leia mais abaixo).
👉 E seu rival, Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Liberdade e Democracia, que já foi ministro no governo do pai de Rodrígo Paz, e, depois, presidente interino da Bolívia em 2001, no último governo antes da ascensão da esquerda. Um dos maiores opositores de Evo Morales — contra quem já perdeu eleições —, Quiroga vem propondo medidas polêmicas e neoliberais, além de acenar para líderes latino-americanos como os presidentes de El Salvador, Nayib Bukele, e do Equador, Daniel Noboa.
Ao g1, a cientista política boliviana Moira Zuazo disse que, em comum, ambos defendem o discurso de fortalecer as instituições democráticas (leia mais abaixo). Dentro desse espectro, no entanto, Paz e Quiroga diferem bastante em propostas para temas centrais do país, além de como se relacionarão com o Brasil e o governo Trump.
Por isso, o resultado deste domingo também ajudará a moldar os rumos da nova direita na América Latina.
O g1 lista a seguir o que pensam os dois candidatos sobre:
Segurança pública
Economia
Relação com Lula
Relação com Trump
Veja abaixo:
Segurança pública
Policiais monitoram centro logístico eleitoral antes das eleições no país, em 17 de outubro de 2025.
Adriano Machado/ Reuters
➡️ Com índices de criminalidade relativamente altos em grandes cidades há décadas, a Bolívia vive um momento de escalada na expansão do narcotráfico. Isso porque o país é uma das rotas atuais de traficantes de drogas da América Latina — inclusive o Primeiro Comando da Capital (PCC), que internacionalizou suas operações para a Bolívia.
Ainda assim, a taxa de homicídio encolheu em 2024 cerca de 17%, para 3 a cada 100 mil habitantes, segundo o centro de dados de crimes na América Latina InSight Crime — no Brasil, essa taxa foi de 18,2 mortes por 100 mil habitantes no mesmo ano.
Rodrigo Paz: Com um discurso mais ameno e menos combativo que seu rival político, diz frequentemente que pretende "fortalecer as instituições", especialmente o sistema judicial, para combater o crime organizado. “A justiça é a base para o progresso de qualquer país, e precisamos de instituições fortes e independentes que assegurem a lei para todos", disse Paz durante a campanha.
Entre as medidas previstos no plano de governo de Paz estão a modernização e profissionalização das Forças Armadas e a "implantação de tecnologias digitais avançadas", sem detalhar como seriam.
Tuto Quiroga: aposta em um combate firme ao narcotráfico e à criminalidade organizada, com cooperação intensa com forças policiais dos vizinhos Brasil e Argentina --- e reformas institucionais para fortalecer a justiça e "garantir a ordem". Durante a campanha, Quiroga mostrou interesse pelas polêmicas políticas de segurança do salvadorenho Bukele e do equatoriano Noboa, centradas na construção de megaprisões e do aumento de detenções.
“Não podemos mais aceitar que a Bolívia seja vista como um país exportador de cocaína", disse o candidato.
Mas, embora Quiroga levante propostas mais polêmicas e ideológicas, seu maior desafio será como governar em um Congresso fragmentado e no qual terá minoria, segundo a cientista política boliviana Moira Zuazo.
"O grande desafio será conseguir articulação política. Deve ser mais difícil para Quiroga, que tem pouca força no Parlamento", disse Zuazo ao g1. Ela também acha que a crise institucional do país fará com que nenhum dos dois candidatos se arrisquem em propostas mais autoritárias.
"Mesmo Quiroga, que tem uma posição clara de direita, fala de direita democrática", afirmou. "Há um discurso de fortalecer as instituições" em ambos os lados.
Voltar ao índice
Economia
Rodrigo Paz Pereira e Jorge "Tuto" Quiroga vão disputar o segundo turno na Bolívia neste domingo
Alzar Raldes/AFP
➡️Há mais de dez anos, a Bolívia vive mergulhada em um período de estagnação econômica, acompanhada da alta da inflação, que hoje está na casa dos 25% e é a maior dos últimos 30 anos, além de uma crise nas reservas cambiais que fez os dólares se tornarem raros no país.
Os índices ruins foram inclusive um dos pilares que fizeram a esquerda ruir, após os anos de "boom econômico" na gestão de Evo Morales, propiciados pela exportação de gás em peso para China, Brasil e Argentina.
Rodrigo Paz: sua proposta central para fazer a economia engatar novamente foi batizada de "capitalismo para todos". Na prática, significa promover crescimento por meio de incentivos ao setor privado e, ao mesmo tempo, manter programas sociais para camadas mais pobres. Também prometeu incentivos à formalização da economia informal, corte de gastos supérfluos e descentralização do Estado. Nas propostas para a economia, é onde mais o senador acena para a grande camada de eleitores da esquerda, iludidos com o governo socialista:
"A Bolívia não é socialista", disse Paz durante um evento de campanha no mês passado. "A Bolívia trabalha com capital, trabalha com dinheiro... porque 85% da economia é informal. Não queremos austeridade severa, mas uma economia forte, justa e voltada para gerar oportunidades a todos os bolivianos."
Mas críticos das propostas dizem que as promessas são irreais. "O rombo fiscal é imenso", disse o pesquisador do Instituto de Finanças Internacionais, Jonathan Fortun, à agência de notícias Reuters. "A questão não é se um ajuste virá, mas quão rápido e quão disruptivo ele será."
Tuto Quiroga: promete "mudanças dramáticas e radicais" na economia de seu país, por meio de cortes profundos de gastos públicos, privatizações e eliminação de ministérios. Quiroga defende a liberalização econômica, com redução do déficit fiscal, privatização de estatais, estímulo ao investimento por meio de menos impostos e criação de empregos, além de romper radicalmente com as políticas do governo anterior, do esquerdista Luis Arce. E também disse que buscará financiamento no Fundo Monetário Internacional (FMI).
"O país está falido", disse ele em agosto. “É hora de cortar privilégios, abrir o mercado e investir na produção nacional para criar empregos e distribuir renda", disse.
Uma pesquisa dos institutos Ipsos e Ceismori feita em setembro revelou que 59% dos entrevistados consideram Quiroga o candidato mais capaz de melhorar a economia.
Voltar ao índice
Relação com o Brasil
Presidente da Bolívia, Luis Arce (à esquerda), e presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (à direita)
Mateus Santos/g1
➡️Mesmo em anos com governos ideologicamente rivais, as relações entre Brasil e Bolivia sempre se mantiveram fortes e estáveis —o então presidente Evo Morales esteve na posse de Jair Bolsonaro em 2019, por exemplo. Grandes parceiros comerciais e de infraestrutura — como a construção de pontes nas fronteiras —, os dois países também estreitaram os laços diplomáticos depois que a Bolívia ingressou no Mercosul, graças ao apoio e à articulação de Brasília. O país andino também passou a fazer parte do Brics sob a presidência temporária do Brasil, no início do ano.
Rodrigo Paz: mesmo discordando do governo Lula, afirmou em campanha que "o Brasil é nosso principal parceiro estratégico" e, por isso, quer fortalecer a parceria da Bolívia com o Brasil, mantendo a participação do país andino no Mercosul e no Brics. Durante a campanha, também propôs mais cooperação econômica e projetos de infraestrutura conjuntos.
Tuto Quiroga: acena para uma relação mais dura com o governo Lula. É contrário à integração da Bolívia no Mercosul, e aposta por manter relações bilaterais independentes e seletivas.
“Precisamos redefinir nossa cooperação com o Brasil, sem vínculos institucionais que limitem nossa soberania", disse Quiroga.
Mas o ex-presidente boliviano disse, também ao longo da campanha, que pretende manter uma "cooperação tradicional" entre os dois países.
Voltar para o índice
Relação com governo Trump
➡️As relações entre Bolívia e EUA foram esfriando ao longo dos 20 anos de poder do partido Movimento Ao Socialismo (MAS), alinhado à China, ao Irã e à Rússia. Mas nunca se romperam, mesmo com grandes tensões durante os governos de Evo Morales. O atual presidente, Luis Arce, também criticou diversas vezes, de forma genérica, o que chama de interferências de Washington na América Latina, mas manteve relações pragmáticas com o governo de Donald Trump.
Rodrigo Paz: embora tenha fugido de fazer declarações sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, falou de "aproximação pragmática" com os EUA e garantiu que não se pautará por alinhamentos ideológicos na diplomacia internacional. É visto como um moderado nas relações com outros países. "Ideologias não colocam comida na mesa", disse ele.
Tuto Quiroga: promete "descongelar" as relações com os EUA e se aproximar do governo de Donald Trump. Já mostrou várias vezes admiração por Trump, e se apresenta como um "liberal pró-EUA". Elogiou recentemente as mediações feitas pelo norte-americano de conflitos como os de Gaza e Ucrânia. Afirmou em campanha pretende reconstruir uma "relação forte e pragmática" com os Estados Unidos, buscando apoio econômico e político para enfrentar a crise boliviana.
Voltar para o índice
Disputa será acirrada
Pesquisas de opinião da Bolívia sugerem uma disputa acirrada entre os dois candidatos. Quiroga lidera as intenções de voto com 44,9%, à frente de Paz com 36,5%, segundo pesquisa de outubro da Ipsos Ciesmori. Outra pesquisa indicou uma guinada tardia em direção a Paz, com 10% dos eleitores indecisos se movendo em sua direção.